domingo, 9 de março de 2014

O acaso entra sem bater

O acaso entra sem bater

 
 
 
O longo poema Um Jogo de Dados, escrito pelo francês Stéphane Mallarmé, em 1897, fez barulho pelos seus versos livres e tipografia inventiva. Desse poema, herdamos uma frase enigmática e fascinante: "Um lance de dados jamais abolirá o acaso." Ufa! Então o acaso é ainda mais imprevisto do que um jogo de azar? Recordando de alguns episódios pessoais, creio que sim.



Esta manhã despertei com saudades do meu avô Júlio. Ele era um judeu tcheco que fugindo dos nazistas caiu nos braços da minha avó em plena Central do Brasil, Rio de Janeiro, onde ela tinha uma pastelaria. Ele trabalhou como empregado até se apaixonarem. Júlio foi meu avó por acaso. Pois o vovô biológico havia morrido anos antes. De maneira que passei a infância com o vô Júlio.



Ele também foi responsável por eu ser Estação Primeira de Mangueira. Há mais de cinquenta carnavais, torço para que a Escola seja a grande campeã. Menina, passando férias na casa dos avós, eu me afeiçoei pela Gilda, lavadeira de primeira. Gostava dela. Achava ela bonita e misteriosa. Um dia, vovô Júlio me contou que Gilda era passista da Mangueira. Virei verde-e-rosa, por acaso. Se ela fosse Portela, eu teria virado azul-e-branco, também por acaso.



É quase sempre por acaso que cada um nós conhece os amantes e os amigos. Porque estudamos em tal escola e não em outra. Porque fomos trabalhar na empresa X e não na Y. Porque perdemos a hora e o ônibus em determinada manhã e aquela pessoa especial chegou no ponto, puxou conversa e, nossa, lá se vão vinte anos de vida em comum.



Também tem acaso ruim. Exemplo é a história do ciclista que pedalou meio planeta e morreu atropelado em frente da própria casa. Sendo que o motorista do caminhão que o matou, disse à polícia que nunca transitava por aquela rua. Por acaso, naquela tarde, ele mudou o itinerário. Ou a história do Yuri Gagarin, o primeiro astronauta que viu a Terra e encantou a todos com sua coragem em viajar num foguete. Pois ele morreu num pequeno avião. Diabruras do acaso.



Daí, fico pensando que não deveríamos levar tanto a sério os planejamentos, as ideias fixas, o futuro. E, num movimento tranquilo, considerar a ação do inusitado. Nós não somos apenas resultado ou soma das nossas decisões e escolhas. Também somos resultado de uma série infindável de acasos bons e ruins. Eles ora entortam a nossa régua, ora põem asas na ponta do compasso.



Imagem: Régine Ferrandis

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